sábado, 20 de outubro de 2007

Autores Gaúchos Em Cena

O Santa Cena, Festival Municipal de Artes Cênicas promovido pela Associação Santa-Mariense dos Profissionais de Artes Cênicas (Aspac), é um evento que acontece até a próxima segunda-feira, com a apresentação de mais de 20 espetáculos de grupos profissionais, amadores e universitários da cidade, encenados no Theatro Treze de Maio e no Teatro Universitário Independente – TUI. Esse festival não tem premiações: busca apenas incentivar a produção teatral de Santa Maria, abrindo espaço para que os novos talentos mostrem os seus trabalhos para o público. As apresentações são de graça ou por um preço bem acessível, R$6,00 para o público em geral – e ainda melhor para nós, estudantes, que pagamos apenas R$3,00.

Ontem, no
Theatro Treze de Maio, a partir das 20:30h, eu e o Diogo fomos conferir as duas peças apresentadas na noite. Logo que chegamos, a primeira surpresa boa: o público era bem razoável. Não que eu esperasse o contrário, mas eu sempre tenho o receio de ir a alguma peça local e ser surpreendida por um público de meia dúzia de pessoas – como já aconteceu algumas vezes. Acho profundamente constrangedor, e fico feliz ao encontrar um público grande que sabe apreciar as produções teatrais de Santa Maria. Outra boa surpresa foi o que encontramos no palco: duas adaptações de dois escritores e jornalistas gaúchos - Caio Fernando Abreu e Luis Fernando Veríssimo, abordando conflitos de personalidade e sexualidade. Boas adaptações, por sinal.

"Não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais destrutiva que insistir sem fé nenhuma?"

Esse trecho demonstra um pouco da carga dramática do monólogo "Os Sobreviventes", baseado no conto homônimo de Caio Fernando Abreu, a primeira peça da noite. Tudo começa com o assunto da viagem do personagem para o Sri Lanka, que vai sendo descrita, com o andar da história, como uma válvula de escape para os tantos conflitos sexuais que ele vivia. O texto, uma espécie de relato das conversas e da convivência que ele teve com uma mulher, tem um ritmo bem marcado, com infinitos discursos indiretos e pensamentos do protagonista que se confundem com o que foi realmente falado entre os dois. O autor constrói, de maneira crua e ácida, uma narrativa amarga, sobre um relacionamento conturbado repleto de tentativas frustradas: dois velhos amigos intelectuais buscando uma cumplicidade sexual que não deu certo, apesar das semelhanças entre eles - nas palavras do próprio autor, "porque tantos livros emprestados, tantos filmes vistos juntos, tantos pontos de vista sócio-político-artístico-filosófico-existenciais e bababá em comum só podiam dar mesmo nisso: cama. Realmente tentamos, mas foi uma bosta."

A atuação e a criação da peça foram de Cícero Mewincke Melo, que fez um trabalho muito bom, apesar da atuação confusa em algumas passagens do texto, e da não muito boa imposição de voz em certos trechos - o que, junto com a construção complicada do conto, levou o público a se perder na narrativa em determinados momentos. Nenhum grande pecado, considerando um monólogo difícil de cerca de 40 minutos.

A peça, livre de cenário, e livre de música na maior parte do tempo, deixou bastante espaço para a atuação de Cícero, que conseguiu preenchê-lo bem, sem deixar vazios perceptíveis no palco. Em relação à música, apenas alguns trechos foram tocados e cortados abruptamente, configurando como passagens do texto, nos momentos em que o autor cita as músicas no conto. Foi o caso de "Here Comes The Sun", dos Beatles, e "Amor, Meu Grande Amor", de Ângela Rôrô. Mas o ápice musical foi o encerramento, com a linda e triste (e não mencionada no conto) "Retrato em Branco e Preto", escrita em 1968 por Tom Jobim e Chico Buarque. A ótima escolha foi a versão cantada por Elis - a melhor, na minha opinião.

A segunda peça da noite também abordou os conflitos sexuais, mas de maneira mais caricata e divertida: "A Saga de Mort - O Retorno", com a direção de André Assmann. A história do detetive particular, criado por Luís Fernando Veríssimo como paródia das histórias norte-americanas de detetives, durou cerca de 50 minutos, e arrancou boas risadas do público. Ed Mort (que contou com a ótima atuação de Ricardo Paim) começa a peça em seu precário e vazio escritório - na companhia das baratas e Voltaire, um rato albino - comentando sobre a "gente estranha" que o procurou naquele dia, confundindo a sua sala com a sala onde era realizado um curso para cabeleireiros. Aí entra Doriley, personagem-chave de toda a trama. Traição, homossexualismo, bissexualismo, assassinato, drogas e até crises de identidade configuraram motivos para comédia.

As atuações foram variadas, com cenas que só tiveram graça devido ao ator, e cenas que perderam a graça pelo mesmo motivo. Ricardo Paim, como já citei, estava muito bem caracterizado, e fez jus ao papel de protagonista. Candice Lorenzoni também foi bem, como a bissexual “Gomes”. As outras atuações não passaram de razoáveis. Mesmo assim, a encenação contou com cenas hilárias (como por exemplo, a cena que se passa em uma das melhores representações de floresta que eu já vi no teatro: uma espionagem ao ritmo de "Staying Alive", com arbustos segurados por mãos flutuantes), mas pecou, infelizmente, na hora de parar: certas piadas foram prolongadas demais, se arrastarem e acabaram por perder a graça. Foi o caso de várias cenas, inclusive a da floresta, e também de uma das cenas finais: gritaria e correria de um lado pro outro - humor pastelão que perde a graça em segundos e demora para sair disso.

A trilha sonora da peça foi muito bem explorada, principalmente para os momentos de “suspense”. Outras escolhas sensacionais foram das músicas "I get a kick out of you", do compositor norte-americano Cole Porter, o "informante" de Ed Mort na adaptação; e de "Unchained Melody", do The Righteous Brothers (o conhecido tema do filme "Ghost - Do outro lado da vida") para os toscos jogos de luz que ambientavam as cenas de morte. Ao som dessa mesma música, a peça terminou. E o público aplaudiu de pé.

O Santa Cena ainda conta com exposições e palestras sobre teatro e apresentações artísticas, além de oficinas gratuitas. Mais informações, na sala 11 da Casa de Cultura ou pelo telefone (55) 3223-6264.

Nenhum comentário:

Site Meter

 
contadores
contadores