quinta-feira, 4 de outubro de 2007
Who needs reasons when you've got heroin?
É com esse pensamento (“Quem precisa de razões quando se tem heroína?”) que começa o filme Trainspotting: Sem Limites (1996), de Danny Boyle, exibido ontem no AudiMax do Centro de Educação (CE), no campus da UFSM. Esse clássico da cultura junkie, considerado um retrato da geração sem esperanças dos anos 90, é o resultado da adaptação de John Hodge para o livro Trainspotting, do romancista escocês Irvine Welsh, lançado em 1993.
O filme, excelente e original, que recebeu indicação ao Oscar de melhor roteiro adaptado, se passa em um subúrbio de Edimburgo, na Escócia, onde jovens ansiosos e sem grandes perspectivas de suas vidas medíocres, se afundam no submundo para sustentar o vício em heroína. No caminho das trapaças, das drogas e da própria falta de caminho, encontramos o personagem principal, Mark Renton (em uma das melhores atuações de Ewan McGregor até hoje), acompanhado de sua tentativa de abandonar o vício; o demente Sick Boy (Johnny Lee Miller); e o esquisitíssimo Spud (Ewen Bremmer). No grupo dos “não-viciados”, temos Begbie (Robert Carlyle), cujo único vício é a violência gratuita – e as suas histórias sobre isso; e o "atleta" Tommy (Kevin McKidd), que nunca usou drogas, mas não demora até ser vencido pela curiosidade e necessidade de fuga da existência para algum lugar. Sem esquecer, é claro, do próprio Irvine Welsh, que faz uma pontinha no filme, interpretando Mikey Forrester (aqueeeele que vende um supositório de ópio para Renton no comecinho do filme). Trainspotting adota um ritmo alucinante para descrever a rotina desses jovens que vagam entre o desequilíbrio, o êxtase e o completo desespero, sem deixar de ter ainda uma linha de humor interessante, encabeçada pelo desajeitado Spud, que é o protagonista das cenas mais engraçadas do filme (a cena da entrevista de emprego do menino é ótima!).
A trilha sonora conta com grandes pérolas do pop rock nos anos 90, como Blur, New Order, Iggy Pop, Elastica, Primal Scream e Lou Reed, e encontra encaixes perfeitos na associação da imagem com a música ao longo do filme. Destaque para dois momentos: o primeiro é a cena inicial, uma correria muito bem embalada por “Lust for Life”, do Iggy Pop, e por um disparate de frases que culminam num quase ode à auto-destruição, tão dramático quanto divertido, na voz de Mark Renton. O segundo é uma das cenas mais surreais do filme, protagonizada por Renton, na seqüência do efeito da droga (em que ele é quase "engolido" por um tapete vermelho) e do trajeto feito no táxi que cospe o jovem na frente do hospital, casando perfeitamente com a música “Perfect Day”, do Lou Reed. A seqüência é impressionante, a edição é sensacional, e a escolha da música fecha com as cenas em que o moço está desacordado até o momento de catarse, quando ele acorda de súbito numa maca no hospital.
Não dá pra deixar de comentar também o momento do “THE WORST TOILET IN SCOTLAND”, o “pior banheiro da Escócia”, em que Renton chafurda em uma privada imunda atrás do seu supositório de heroína (aqueeeele supositório!) que “caiu” ali. A cena é trash, nojenta, um retrato degradante do ser humano, mas é fantástica. Aliás, apesar de tantas cenas mais explícitas de violência, drogas e imundície, ainda considero a cena do bebê levemente arroxeado passeando pelo teto do quarto de Renton a cena mais forte do filme. Foi com certeza o que mais me impressionou quando vi Trainspotting pela primeira vez, lá com meus 13 ou 14 anos. Marcada por uma interpretação angustiante de Ewan McGregor, a cena carrega um pouco de morbidez naquele jovem desesperado pela síndrome de abstinência, que se tranca no quarto e se vê perseguido pelo espectro de um bebê.
Trainspotting não aposta em personagens super legais, nem assim, tão esforçados para livrarem-se do vício, muito menos que dêem lá muito valor para a amizade. Nesse ponto, Danny Boyle consegue ser magistral, ao mostrar com clareza e sem julgamentos morais, o egoísmo dos personagens, a contrafação e a inconseqüência nos atos de cada um, os pontos altos e baixos da dependência química. Em meio à polêmicas e acusações de apologia às drogas e à auto-destruição, Trainspotting se consagrou como um filme original e cru, sem glorificar o vício e sem adotar posições caretas, apenas mostrando de forma explícita o prazer e a dor que a droga proporciona, das viagens à morte. Um grande filme, de uma história captada com muita sensibilidade por Boyle, e encarada com dinamismo, clareza e uma boa dose de coragem.
Se todos esses argumentos não foram suficientes pra convencer quem ainda não viu o filme de que ele realmente vale a pena, eu apelo: Ewan McGregor, dono de uma cadeira cativa no meu Top 5 Melhores Sotaques do Mundo, é o narrador. Preciso dizer mais? =P
Um PS: Vale lembrar que, em 2005, foi lançada no Brasil a continuação de Irvine Welsh para Trainspotting: o livro Pornô, em que o escritor retoma os personagens em uma história que se passa 10 anos depois, mudando o foco principal da heroína para a pornografia (sem tirar de cena a droga, a violência e as maluquices dos não mais garotos da trama). A seqüência até se aproveita de algumas idéias que saíram da adaptação de Trainspotting para o cinema e não constam no livro.
O Trainspotting pode ser encomendado pela Cesma e o preço fica na base de R$35,00.
Quem estiver a fim de conferir o Pornô também, vai ter que dar uma procurada (e desembolsar uma graninha a mais), já que a Cesma, pelo menos por enquanto, não trabalha com esse livro.
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3 comentários:
Exato, um filme muito bom que mostra a realidade de uma geracao, cenas fortes como a da morte do bebe, mas ao mesmo tempo nao eh cruel ao retrata-la
quem nao assistiu, eu recomendo
excelente comentário!
Por que nao:)
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