O norte-americano Frank Miller, co-diretor, roteirista e autor dos quadrinhos, criou a série em 1991 e já escreveu cerca de dez livros sobre a Cidade do Pecado (depois de Sin City, o cara também teve outra adaptação aclamada no cinema: O filme "300", de Zack Snyder, foi baseado na sua graphic novel “Os 300 de Esparta”). A história de Sin City é, no mínimo, angustiante. Assassinato, prostituição, pedofilia, traição, mutilação, assuntos corriqueiros da vida dos habitantes de Basin City (o verdadeiro nome da cidade), um lugar onde as noites e as chuvas parecem ser eternas. O filme, lançado em 2005, está estruturado a partir de quatro episódios, com histórias que acontecem na mesma noite e se encontram em um bordel na sequência final. O primeiro episódio é "O cliente sempre tem razão" (The Customer Is Always Right), um conto que serviu de teste para a adaptação do trabalho de Miller para o cinema. Em uma seqüência de poucos minutos, Josh Harnett e Marley Shelton interpretam respectivamente o assassino e sua cliente. Ponto para os efeitos, já que é impossível não ficar impressionado com essa apresentação inicial do que vai ser o filme: um universo sombrio e sensual, com o fundo daquela chuva rabiscada como as que vemos nos quadrinhos.
Em seguida, acompanhamos o episódio "O Assassino Amarelo" (That Yellow Bastard), o mais bem construído, mais pesado emocionalmente e mais interessante como um todo. Nele, John Hartigan (Bruce Willis), um policial prestes a se aposentar, vai atrás de um pedófilo assassino e, pra concluir seu último caso, precisa passar por cima do poderoso Senador Roarke (Powers Boothe). Esse episódio, apesar de ser o segundo apresentado no filme, é o último a mostrar seu desfecho, logo após a cena do tal bordel mencionado anteriormente, onde dança a linda linda linda Jessica Alba.
Durante essa quebra de episódio, vemos "A Cidade Do Pecado" (Sin City - The Hard Goodbye), onde Marv (Mickey Rourke) é um desfigurado troglodita com sérios problemas psicológicos em liberdade condicional (só alegria!) que se apaixona por Goldie (Jaime King), a única mulher que o quis e amanhece morta ao seu lado. Buscando vingar a morte da amada, Marv esbarra em Kevin (Elijah Wood), um silencioso assassino com altas tendências canibais, e no cardeal Roarke (Rutger Hauer). Juntos – e ainda com uma pequena ponta de Frank Miller interpretando um padre – esses personagens protagonizam o episódio mais bizarro, sanguinário e trash do filme.
O último episódio é "A Grande Matança" (The Big Fat Kill), onde o protagonista é Dwight (Clive Owen), um cara que acaba se metendo na morte do policial Jackie Boy (Benício del Toro), junto com Gail (Rosario Dawson) e as outras “damas da noite” de Old Town, uma região de Sin City. É o episódio mais sem expressão de todos – combinando com a atuação do ator principal. Aliás, Brittany Murphy, que interpreta a garçonete Shelley, o parzinho do moço no começo do episódio, é tão sem expressão quanto ele – combinam, os dois. A seqüência se arrasta demais e torna o filme até cansativo, em alguns momentos. A melhor (e ótima) cena é a única do filme dirigida por Quentin Tarantino, o “Diretor Especial Convidado” por Miller, em que Dwight e Jackie Boy discutem no carro – e palmas para Benício del Toro pela atuação.
E essa mãozinha do diretor não é a única ligação do filme com Pulp Fiction. Sin City tem tudo das novelas policiais americanas, e lembra o clássico de Tarantino pela narrativa entrelaçada que se desenvolve durante um dia e pela violência caricata dos personagens.
A atmosfera do filme se caracteriza pela obscuridade, pela tensão, pelo clima de vídeo-game, com seus quase-heróis que só morrem quando querem, veículos em alta velocidade, perseguições, mulheres seminuas, lindas e fatais, cigarros e mais cigarros, tudo isso narrado pelo personagen principal de cada episódio, bem como naquele quadradinho no alto da página da HQ. Fiel aos quadrinhos também é a representação de um mundo em preto-e-branco, com fortes contrastes de detalhes em cores vivas em algumas cenas. Detalhes que ficam incríveis na fotografia cinzenta do filme.
Inclusive, quanto à fidelidade ao original e a qualidade técnica de Sin city, não há o que ser questionado. O filme foi inteiramente processado por computador e gravado com câmeras digitais de alta definição. Os únicos elementos reais dentro do estúdio eram os atores, as armas e os carros. Só. Acho meio estranha essa forma de fazer cinema – atores contracenando com nada dentro de uma salinha verde (confira algumas fotos do "behind the scenes" do filme no site oficial). Mas não dá pra negar a qualidade do resultado: a riqueza de detalhes e o nível dos efeitos especiais são de deixar qualquer um (conhecedor ou não de histórias em quadrinhos) de boca aberta.
Sin City não é uma adaptação dos quadrinhos para o cinema: o filme é o próprio quadrinho em movimento, é como se a tela tivesse se adaptado para receber o HQ – coisa que nunca tinha sido vista antes. Não que isso seja ruim – o filme é um espetáculo visual para qualquer fã dos quadrinhos – mas também não é de todo bom. Acredito que o filme Sin City peque, em certos momentos, por excesso de fidelidade, por mais inusitado que isso possa parecer. Os quadros não são similares nem inspirados, são passados literalmente para o cinema (quem quiser conferir do que eu estou falando, é só dar uma olhada no site da Film Rotation, onde está disponível uma ótima seleção de cenas comparadas com as imagens dos quadrinhos – para ver mais, basta clicar nos nomes dos episódios). Fidelidade demais aos quadrinhos acaba levando ao risco de transformar o filme em uma mera cópia movimentada. E aí, entra um outro ponto: a velocidade desse movimento, buscando um ritmo mais forte, acabou ficando acelerada demais. Momentos que os quadrinhos permitem ao leitor se deter alguns segundos para uma melhor observação antes de virar a página, acabam sendo, no cinema, alucinantes demais – e perdem a ênfase em detalhes tão bem recriados pela simples dificuldade de acompanhar.
De qualquer jeito, Sin City é considerado um marco na forma de retratar os quadrinhos na telona – e faz jus a essa classificação. Ainda que eu tema que os filmes sejam feitos, daqui a alguns anos, todos dentro das salinhas verdes, posso dizer que eu não esperava um tão bem feito. Vale a pena ver.
Quem ainda não assistiu e quer ter uma idéia do filme, separei o Troféu Cena Trash: Marv x Kevin, um lobo e bastante sangue.
http://www.youtube.com/watch?v=RwwzVTZw6Zw
3 comentários:
Adorei tuas observações, mas discordo quando tu diz que o filme peca em ser tão parecido com a HQ. Acho que aí é que tá o diferencial e o legal. Parece que tu lá lendo, de fato o gibi através do filme. Normalmente estragam os filmes com as adaptações. Mas a parte de fazer filminho com fundo verde eu concordo plenamente. Que sem graça, né!
"Daí me sobrou uma bomba: falar sobre um filme baseado em uma história em quadrinhos que eu nunca li."
Não é exatamente uma bomba...acho legal ver os dois lados, tanto de quem é fã quanto de quem nunca leu o HQ.
Adorei o teu texto, principalmente a parte que fala do Clive Owen e da Brittany Murphy heuhueheue
Tu já assistiu Filhos da Esperança, Lu? O personagem dele é tão acostumado com a violência que passa metade do filme quase sem reação - deve ser por isso q ele interpretou tão bem huahauhia
E a Brittany Murphy tem cara de louca =P
Oh, vai o link do trailer do Sin City, um dos melhores ever ;D
http://www.youtube.com/watch?v=YKFLrTYKIXk&mode=related&search=
Sim, provavelmente por isso e
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